quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A Crônica da Linha Reta Curva

Algo que me intriga. Que não deveria, ou eu acho que não deveria, mas me intriga.
Em nossas vidas sempre pensamos nas coisas através de marcos, de pontos especiais. Um início de algo, um término de algo. Nossa vida é assim. Sim, o tempo é contínuo, mas a percepção dele não. Acordar às 6h, o trabalho às 8h, o almoço às 13h, em casa às 17h30. O calendário. Em 3 dias uma prova. Em 2 semanas, o aniversário da tia. Em 5 meses, a conclusão do curso. Em 2 anos, a festa do casamento.
Permita-lhes relembrar o conceito de reta: é a menor distância entre dois pontos. Suponhamos agora que, numa reta numérica, entre 0 e 1 temos 0,5. Ok, e entre 0 e 0,5? E entre 0 e o resultado da conta anterior? E entre 0 e... e depois... e depois...
Infinito.
   Os computadores não sabem. Eles podem desenhar uma reta, mas pra eles apenas há um ponto inicial, um ponto final, e uma linha no meio, e nem a linha é uma linha: são pixels, pontos de cores que ficam perfeitamente alinhados pra você, caro leitor, achar que é uma reta. Mas, sabemos, entre dois pontos de uma reta ainda existem outros pontos. E você pode querer aprofundar o quanto quiser: ainda haverá pontos. Os computadores podem calcular o quanto for, mas, para eles, nunca será uma reta legítima. Todavia, são máquinas! Incansáveis, precisas e burras. Para elas, não faz a menor diferença...
E os professores de matemática? Coitados dos secundaristas. Tantas crianças e adolescentes que eles ensinam enxergam a matemática como uma medusa. Há alguém a culpar? Ou, seria justo culpar alguém? Como se um mísero ponto pudesse culpado por complicar uma reta. Talvez tais crianças foram ensinadas por alguém que não gostasse do que ensina. Ou não gostasse do ato de ensinar. Ou não gostasse das crianças. Ou talvez não gostasse de si próprio. Ou outra coisa. Ah... coitados dos bons professores: mal tem tempo de explicar o que é uma reta e já precisam traçar o caminho rumo ao próximo assunto!

Mas, afinal: se falo sobre retas, pra que todo esse arrodeio?

Simples. Grande, porém, simples.

Já dizia John Frusciante, ex(e eterno)–guitarrista dos Red Hot Chili Peppers, que a graça não é entrar num estúdio e ver o CD pronto. Todo o processo de composição é que vale. Acordar de manhã e ir ao estúdio encontrar os caras da banda, fazer o que se gosta, gostar do que se faz.
"Repense a beleza do caminho feito entre um ponto e outro ponto teu."

   A vida de uma pessoa é uma linha reta. Poderia facilmente ser como as curvas das ondas sonoras de sua música favorita, mas em princípio pensaremos em uma linha reta continuamente desenhada, como se você desenhasse eternamente uma linha num enorme papel, que é a vida. Tem um ponto inicial -- o dia que você saiu de sua mãe --, um ponto final -- que ainda chegaremos lá inevitavelmente --, e uma continuidade entre eles -- o seu desenho atual. A gente destaca pontos nessa continuidade por pura obrigação ou por birra, teimosia, vaidade. Ou mesmo por acaso. Encontros entre pessoas, por exemplo, são como se você e eu deixássemos de ser retas egoístas e passássemos a ser curvas um pouco mais amigáveis cruzando outras curvas ou retas. Sacaram? Isso geraria outros e outros pontos pelo cruzamento das linhas. Mas tem tanta coisa entre dois pontinhos seus, só considerando sua linha pessoal, que você nem faz ideia. E tem tanta coisa que eu e você de repente perdemos entre dois pontos que nem fazemos ideia, pois perdeu-se no tempo, e não se sabe a dimensão do que seria se tivesse sido percorrido com atenção e admiração.
Sabe o que acontece, afinal? É nossa mente que não consegue ser contínua e entender uma linha! Ou talvez não seja treinada para isso. Nossa fantástica mente que já nos conduziu a tanta coisa e ainda fará mais loucuras inteligentes não consegue perceber a simplicidade que uma linha reta deveria ter. Na verdade, por mais que seja a preguiça de saber que há infinitos pontos numa reta que nos leve a querer olhar pra uma reta como uma simples reta, não levamos essa mesma "filosofia" para nosso cotidiano. Aos nossos olhos, uma reta é uma reta e pronto, mas, na real, não nos importamos com as retas, com as curvas, com os caminhos, com os trajetos, com a experiência, com o aprendizado. Apenas queremos pontos, objetivos, resultados, respostas. Um ponto aqui... feito. Aquele ali... resolvido. O de ontem... desisti, não deu. Esse outro... falta pouco. Mais 2 ali na frente, um pra amanhã e outro pra semana que vem. E quando vem uma curva inesperada ou uma subida íngreme na nossa reta que parecia tão perfeita, a gente chia legal... ué, mas os pontos não pareciam tão arrumadinhos?
   Repense a beleza do caminho feito entre um ponto e outro ponto teu. Ou, se não houver beleza, construa-a.  Mas ainda tem mais: mesmo tendo início e fim, uma reta é infinita. Mesmo uma ínfima reta entre 0 e 1 é infinita, pois não dá pra contar o que cabe ali dentro. Dessa forma, nossa vida, enquanto numa expectativa de -- sei lá -- 80 ou 90 anos, é infinita. Não sabemos o que cabe dentro de nossa vida. Não conhecemos nosso real potencial. Nem temos ideia de onde ficam nossos limites. Nos preocupamos nos pontos porque gastaríamos tanto tempo medindo nossa profundidade que não desfrutaríamos nem de um bom pontinho nosso. Mas o problema aqui é que insistimos em contar os pontos e tirar proveito deles, e dane-se os caminhos. 

(Eu nem quero te encorajar a levantar os olhos pro céu agora, porque se nossa vida, enquanto limitada, é infinita, que dirá os céus, e os céus dos céus?!)
Infinito!

Nem a matemática sabe o que é o infinito. É algo completamente abstrato e controverso; afinal, faz sentido a existência de uma entidade com um número infinito de elementos? Como mensurar o imensurável? Mesmo que seja como "contar os degraus de uma escada rolante", por mais estúpida e cômica que seja a ideia. Um tal de John Wallis de 1600 e bolinha é quem é conhecido pelo símbolo tão conhecido (e tão amado e tão tatuado). Dizem que o símbolo deriva de um numeral romano para 1000 que, por sua vez foi derivado do numeral etrusco para 1000, que se assemelhava a CIƆ e era por vezes usado para significar "muitos". De qualquer forma, o ∞ era facilmente impresso em tipografia fazendo um 8 deitado.
   Ora, uma reta -- por mais infinita que seja, pelo que discutimos -- tem início e fim. E o símbolo de infinito? Se há um infinito entre dois pontos, ou seja, um “infinito com começo e fim”, o que dizer de um infinito verdadeiro, que começa e termina nele mesmo, e que não há ponto sequer que seja digno de representar um marco para o início ou para o fim? É a perfeita linha reta curva, habitando consigo própria em harmonia, dando tantas voltas quanto forem necessárias pra expressar o que quer que seja infinito como ele é.
   Se passamos a dar uma ênfase nas linhas, para apreciar mais os meios e não ficar só nos pontos, há porém, um ponto em especial a destacar: o meio do infinito. Ali, no encontro das curvas. Talvez esse ponto saiba do potencial do infinito em si. Talvez ele seja o marco importante. Não creio que haja motivos para considera-lo início ou fim, mas um meio. Ou a perfeita explicação do meio. Assim, não conhecemos todo o nosso potencial, porém se percebemos que temos o infinito dentro de nós, vemos que temos algo que nos impulsiona a usar nosso potencial para fazer o que deve ser feito, até onde pudermos continuar a desenhar a reta curva de cada um de nós, dando a devida importância aos meios e aos fins, colorindo e ilustrando esse papel gigantesco que é a vida.

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